Pai cria tecnologia para facilitar a comunicação de crianças autistas

Beatriz Bevilaqua, 247 - O Matraquinha nasceu da experiência pessoal de um pai que buscava uma forma de se comunicar com o próprio filho. Wagner Yamuto criou o aplicativo ao perceber que Gabriel, seu filho, tinha um atraso na fala e dificuldade de se expressar. “Desenvolvemos a primeira versão, colocamos nas mãos dele e observamos o que funcionava e o que não funcionava. Fomos ajustando até que ele realmente começou a usar o Matraquinha e, se ele conseguia usar, entendemos que qualquer criança também conseguiria”, explica Wagner.

No começo, a comunicação de Gabriel era feita com o uso de figuras físicas em papel, um recurso comum na educação especial. Mas a rotina mostrava suas limitações: as imagens se perdiam facilmente e dificultavam a continuidade da comunicação. Foi essa frustração que levou Wagner a pensar em uma solução digital, mais durável, ível e prática. Assim nasceu o Matraquinha.

O aplicativo, que já foi baixado em mais de 70 países e está instalado em cerca de 594 mil aparelhos, tem como objetivo ajudar crianças com deficiência na comunicação a expressarem suas emoções, vontades e necessidades por meio de figuras com apoio de voz.

O Matraquinha está disponível nas lojas do Google e da Apple em duas versões: uma gratuita, com cerca de 250 figuras de comunicação organizadas por categorias, e uma paga, com funcionalidades adicionais. A versão permite cadastrar fotos de familiares, ambientes, objetos e brinquedos reais da criança, tornando a comunicação mais imersiva e personalizada.

“Na figura da mãe e do pai tem uma ilustração, todas feitas por nós, pensadas na paleta de cores e no conforto visual para essas crianças, porque sabemos que muitas têm hipersensibilidade a sons, luzes e contrastes. Também fizemos o aplicativo funcionar no modo avião, pra não haver distrações com YouTube ou outras telas”, explica Wagner. Outro diferencial é que o aplicativo pode estar presente em múltiplos aparelhos - do pai, da mãe, da avó, do cuidador - para garantir que a comunicação da criança esteja sempre ível.

Muito além do autismo

Apesar da aparência lúdica e infantil, o Matraquinha é indicado para qualquer pessoa que tenha alguma deficiência na fala, inclusive temporária. “Durante a pandemia, recebemos relatos de pessoas entubadas que usaram o Matraquinha para se comunicar com a equipe médica. Uma mãe também me contou que, pela primeira vez em sete anos, a filha com paralisia cerebral conseguiu dizer que queria fazer xixi. Isso mudou completamente a qualidade de vida delas”, relata Wagner.

Outro caso emocionante foi o de um adolescente com síndrome do pânico, que ou a usar o aplicativo para iniciar conversas, superando a ansiedade extrema provocada pelo ato de se comunicar verbalmente. “O Matraquinha é útil para qualquer condição que impacte a fala. Mas quando a gente diz que é para autistas, é também por uma questão estratégica, porque os números são mais consolidados e ajudam a dialogar com investidores e parceiros”, diz. Ele lembra que uma em cada 36 crianças de até oito anos é diagnosticada com autismo no Brasil.

Parcerias e novas frentes

O Matraquinha já firmou parcerias importantes, como com o Instituto Mauricio de Sousa - que desenvolveu o personagem André, um autista da Turma da Mônica, presente no app - e com o Hospital Infantil Sabará, referência em pediatria no Brasil. Segundo Wagner, pesquisas realizadas no Sabará mostraram que o aplicativo ajudou em 94% dos casos em que foi usado para preparar crianças para exames.

Pensando em oferecer uma ferramenta ainda mais robusta para clínicas e profissionais da saúde, a equipe criou o Talk Bell, uma solução complementar ao Matraquinha, voltada para uma comunicação mais avançada, voltada a clínicas de psicologia e atendimentos multidisciplinares.

Além do digital, a startup lançou um livro físico e sua versão em PDF com as figuras do Matraquinha, permitindo que a comunicação continue mesmo sem bateria no celular. E está em desenvolvimento um e-commerce com produtos sensoriais e terapêuticos voltados ao público infantil neurodivergente.

O início da trajetória foi desafiador. “O investimento direto para lançar o Matraquinha foi de mil a dois mil reais, para pagar hospedagem e taxas do Google e da Apple. Não contratamos ninguém, usamos nossas competências internas - minha esposa é pedagoga com formação em educação especial, e eu sou desenvolvedor”, diz Wagner. Se contabilizassem as horas técnicas dos três fundadores (Wagner, sua esposa e o Adriano, irmão dele, que também é sócio), o investimento até hoje já teria ultraado R$ 600 mil.

Durante muito tempo, todos trabalhavam meio período, conciliando o desenvolvimento do app com seus empregos em CLT. A operação só começou a ganhar CNPJ em novembro de 2019, e se consolidou em 2020, já em plena pandemia.

Hoje, a startup se mantém com os próprios recursos e encontra-se no “zero a zero”, como define Wagner. “Estamos conseguindo manter o aplicativo, gerar receita e investir em melhorias, tudo com base no contato constante com a comunidade e nos s que recebemos. “ A dor virou projeto, o projeto virou produto e o produto virou propósito”, diz.

Assista na íntegra aqui: