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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor de “Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil”. https://noticiariocomentado.com/

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O combate inglório aos orelhudos

Com sua reforma trabalhista, o “constitucionalista” Michel Temer ameaçou destroçar a CLT — não o fez por completo, mas quase

Michel Temer (Foto: Reuters)

A convivência humana enriquecedora anda rara. O movimento falsamente antipolítica – que, na verdade, tem servido à extrema direita – há bastante tempo mostrou-se anti-inteligência, inimigo da cultura. As redes sociais são o palco ideal para a exposição do conhecimento superficial ou mesmo da burrice orgulhosa. Os intelectuais viraram alvos de ataques por serem intelectuais. Vive-se da louvação da ignorância ou do coaching, ao gosto do freguês.

Antigamente, os desinformados preocupavam-se em aparentar algum grau de conhecimento por meio da pejorativa “cultura de almanaque”, decorrente de conteúdos primários e anedóticos dos almanaques populares. Alguns revelavam até certa erudição discursiva, ainda que baseada em lugares-comuns, dados descontextualizados e generalizações. Talvez a Wikipédia seja o almanaque dos tempos atuais, a despeito de possuir certa utilidade prática.

Ocorre que algo bem pior que a cultura de almanaque toma conta destes tempos sombrios. É a “cultura da orelhada”. O sujeito escuta uma bobagem dita num vídeo qualquer, em uma rede social qualquer, e a compra pelo valor de face. Sai replicando-a doidamente. O cara-pálida assiste a cinco minutos de um podcast com Alexandre Schwartsman e vira pregador contra a “gastança” do governo. Parece, o cara-pálida, não compreender que Schwartsman levou anos e anos de estudo para se tornar um neoliberal ultraado; não o conseguiu a golpe de orelha.

Dia desses, o colunista foi vítima de um orelhudo jurídico, com ímpetos de estremecer consensos. A certa altura da explanação patética, nosso interlocutor bradou: “Pode-se dizer o que quiser dele, mas ninguém entende tanto da Constituição brasileira quanto Michel Temer”.

Sabe-se lá de que boca o incauto ouviu tamanho elogio ao ex-presidente golpista, hoje consultor de Jair Bolsonaro. Certamente, escutou a baboseira de algum irador da desintegração constitucional promovida por Michel Temer. Na verdade, não se sabe o quanto Temer “entende” da Constituição, mas sua capacidade de destruí-la é notória. Seu legado “constitucional” perdurará, destacando-se o retrocesso social provocado pelo teto de gastos e os horrores da reforma trabalhista, responsável por notável precarização do trabalho.

Com sua reforma trabalhista, o “constitucionalista” Michel Temer ameaçou destroçar a CLT — não o fez por completo, mas quase. Agradou, como sempre, à elite que considera os custos da contratação formal um entrave à produção e à ampliação dos negócios.

A reforma da Previdência que Bolsonaro impingiu ao país, com ajuda do Congresso mais obtuso da história da República, foi concebida pelo governo Temer, como se sabe. Só não emplacou naquele mandato porque o mandatário perdeu qualquer condição de negociar com os parlamentares, denunciado que fora por corrupção após o vazamento da famigerada conversa com Joesley “Friboi” Batista.

Orelhudos têm extrema dificuldade em separar atos perpetrados por pretensos ditadores de ações desencadeadas por oprimidos. Os ouvidos do colunista foram mais uma vez torturados, na semana ada, por um amigo (sim, um amigo) “conhecedor da História”, que disparou a seguinte e infeliz comparação: “Vocês prendem os cidadãos que participaram do 8 de Janeiro mas defendem os índios que fizeram quase a mesma coisa no Congresso e no Supremo”.

Aos fatos, amigo orelhudo.

Em 5 de agosto de 2024, um grupo de lideranças indígenas tentou entrar no STF para acompanhar uma reunião de conciliação sobre o marco temporal. Foram impedidos pela segurança do tribunal e, depois, o presidente Luís Roberto Barroso se desculpou pelo incidente, itindo que foi “um erro grave da segurança”. Em 10 de abril de 2025, cerca de 8 mil indígenas, participantes do Acampamento Terra Livre (ATL), marcharam em direção ao Congresso Nacional. Ao se aproximarem do gramado onde estão os prédios, removeram grades de segurança e adentraram o espaço. As polícias legislativas — da Câmara, do Senado e a PM-DF — reagiram com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Houve feridos, inclusive a deputada Célia Xakriabá, que precisou de atendimento. O MP-DF abriu investigação sobre uso “excessivo de força”.

Em ambos os casos, os representantes dos povos originários, donos naturais de sua terra, manifestavam-se contra a instituição do marco temporal, que afeta claramente seu direito constitucional. Não foram invasões violentas ou ataques aos Poderes da República, muito menos tentativas de usurpar o Estado Democrático de Direito, mas sim protestos simbólicos voltados à causa territorial da gente mais verdadeiramente brasileira.

Mas vá explicar tudo isso ao orelhudo...

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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