Fascista não enfrenta. Encena
Quando o cercadinho some e sobra só a toga do juiz, eles viram o que sempre foram: um bando de covardes políticos
Fascista não enfrenta. Encena
Todos aqui devem ter visto alguma imagem do depoimento dos réus que fazem parte do "núcleo crucial" da organização criminosa que tentou o golpe de Estado em 2022. Trago as minhas impressões.
É tudo tão surreal que cheguei a pensar se não teria entrado numa realidade paralela, daquelas em que a Terra é plana, a vacina mata, e um general brasileiro bate continência para bandeira dos EUA. Mas não. A realidade não é paralela. Ela é curva e me atropela toda hora. A realidade é um pesadelo em alta definição com sonhos leves porque somos humanos e precisamos ter esperança.
Como professora que sou, gosto da didática. Aprendemos que não há coragem em quem vive da mentira. E não pode haver redenção possível para quem faz da covardia o seu projeto de vida.
Berrar no cercadinho, meu povo, berrar no cercadinho é mole. Aquela figura que ou quatro anos esgoelando força, honra e cloroquina mostrou que é um indolente travestido de valente. Risinhos, piadinhas e cara de quem esqueceu o caminho do banheiro fez com que o tribunal me lembrasse o stand-up ruim quando risos não possuem relação com dignidade, empatia e uma graça propriamente dita.
É inacreditável o que se viu. Uma audiência que mais parecia gravação de podcast de extrema-direita.
Um típico episódio da série House of Paranauê. As caras de paisagem e risinhos de canto de boca mascaravam as articulações feitas por quem sabe que entrou condenado, vai sair condenado, mas que foca agora, com alguma chance, em uma prisão domiciliar.
Os mesmos que ameaçavam a democracia, agora, fazem piada com o próprio julgamento acenando para uma base que canta o hino nacional para um pneu e pede ajuda extraterrestre com celular aceso na cabeça.
Nessa esteira, Bolsonaro, por exemplo, achou de bom tom convidar Alexandre de Moraes para ser seu vice em 2026. Um homem desses não tem fígado, tem um TikTok interno funcionando em loop.
Gostaria que Alexandre de Moraes não aceitasse nenhuma piada e muito menos risse, ainda que o riso fosse de um ser Supremo. Com democracia não se brinca, ainda mais sabendo que muitos de nós poderíamos estar presos e Alexandre morto - como dito no próprio depoimento de Mauro Cid, que estava sereno e com a pele boa, como os que aram algum tempo em um spa de impunidade, enfim, como dito por ele mesmo se o golpe fosse consumado.
Pode aceitar uma piadinha nesse momento que o Brasil tanto esperava? Penso que não. Eu, que não li e nem corroborei com a minuta do golpe, me senti algemada.
Assisti àquele teatro de horrores e me lembrei da Dilma. Horas de sabatina. Séria. Soberana. E o que temos agora? Uma trupe de moleques debochados, com advogados que mais parecem animadores de churrasco, rindo da cara de um povo que espera justiça como quem espera o garçom chegar, depois de uma longa espera, com o nosso prato.
A audiência pareceu um programa péssimo de auditório: muita maquiagem, pouca vergonha. Um desfile de frases ensaiadas, silêncios estratégicos e memórias seletivas. “Não me lembro”, “não reconheço”, “não sei de nada”. E, claro, o clássico “desculpa se ofendi alguém”, esse mantra dos que querem o perdão sem o arrependimento.
E foi aí que me lembrei da Dilma. Horas e horas sendo interrogada. Em pé, altiva, respondendo cada pergunta dura e improcedente com seriedade.
Vi golpistas serem tratados como senhores distintos.
Não sei se aquilo que assistimos foi o certo porque tenho minha opinião forte, consolidada e sou humana. Sei que qualquer pessoa não pode receber a sentença antes de se defender. Mas, meu Deus, como foi gritante a diferença.
Fiz várias vezes, assistindo os depoimentos, cara do meme do John Travolta perdido no rolê.
E isso é grave. Porque se eles tivessem conseguido o golpe, não estaríamos aqui assistindo à audiência.
Não haveria juiz, nem perguntas, nem contraditório. Estaríamos — quem sabe — num estádio, sem habeas corpus, ou numa vala qualquer. Como nos tempos sombrios que esses senhores tanto iram.
Alguma coisa está errada. Pode ser eu, como disse. Bolsonaro e todos esses réus têm atrapalhado minha evolução espiritual.
Estou vendo como deputada que sou agora e, também como cidadã assistindo pela televisão a esse julgamento, estou confirmando o que sentia: fascista não é valente. É performático. Quando o cercadinho some e sobra só a toga do juiz, eles viram o que sempre foram: um bando de covardes políticos com risinhos típicos de quem está com a cueca borrada.
Impossível não lembrar, também, do Lula diante do Moro. Lula entrou na sala com a postura de quem enfrentava não só um juiz, mas uma engrenagem inteira de ódio e certo de que era inocente. Falou com o peito aberto, sem roteiro, sem advogado sussurrando resposta. Sabia que dali poderia sair algemado — e ainda assim não desceu do tom, não pediu piada, não disse "não me lembro".
Agora corta para Bolsonaro.
Diante de Alexandre de Moraes, o homem que ele mesmo atacou durante anos. E os outros réus. Todos com cara de quem tomou chá de camomila intravenoso.
Ainda que o espetáculo tenha sido grotesco, revelou o essencial. Fascista não enfrenta. Encena. E quando o palco é a Justiça, a maquiagem derrete e borra a farda.
E o que sobra é o cheiro.
Cheiro de quem não consegue mais proteger general de dez estrelas que agora está atrás da mesa apavorado.
Que esse mau cheiro que ficou no ar seja só o perfume tardio e tímido da justiça que finalmente começa a se anunciar.
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