Bahá’ís no Irã é espelho aterrorizante da intolerância global do século XXI
Érica Kokay promove audiência pública com base em relatório da ONU sobre bahá’ís, dia 12, na Câmara dos Deputados
Nos últimos 40 anos, tenho direcionado parte de minha produção acadêmica e jornalística a dar voz aos anseios de populações oprimidas por regimes totalitários. Tratei exaustivamente da perseguição em países como Iêmen e Irã, lutei contra o tráfico humano, sempre atento às iniciativas da ONU.
Escrevi sobre imigrantes e refugiados mundo afora. Defendi a educação das mulheres sob o regime do Talibã no Afeganistão e apoiei iniciativas em defesa de civis em guerras no Líbano, Iraque, Líbia, Tunísia, Síria, Ucrânia e Palestina.
Um tema que mobiliza minha mente e sentimentos é a questão dos bahá’ís no Irã. Uma saga que abriu uma ferida na humanidade desde o nascimento dessa fé em 1844. São milhares de mortos, assassinados com requintes de crueldade inimagináveis no século XXI.
Em um mundo onde violações dos direitos humanos se entrelaçam em camadas complexas, emerge uma realidade cruel no Irã: a perseguição sistemática das mulheres bahá’ís. Ela reflete intolerância religiosa e subjugação de gênero numa imagem distorcida pela crueldade estatal.
Como uma partitura sinistra executada há quatro décadas, a perseguição aos bahá’ís ganhou notas discordantes com o foco nas mulheres. O que era intolerância generalizada virou uma sinfonia de terror, silenciando vozes femininas com prisões e desaparecimentos.
A repressão às mulheres bahá’ís não é isolada, mas parte de uma política estatal intensificada desde a Revolução Islâmica de 1979. A fé bahá’í, fundada no século XIX, é vista como “herética” pelo regime iraniano.
Essa estigmatização, somada à condição de gênero, coloca as mulheres bahá’ís em vulnerabilidade extrema. Sua fé e feminilidade são alvos simultâneos de uma repressão brutal, que vai além da violência física.
A violência contra elas é também psicológica, social e cultural. O objetivo é apagar sua identidade e desmantelar os laços comunitários que sustentam a resiliência bahá’í no Irã.
A arquitetura da perseguição
O documento “A Questão Bahá’í”, descoberto em 1993 por um relator da ONU, é o projeto de uma perseguição sistemática. Assinado pelo Líder Supremo Ali Khamenei, o texto de 1991 traça diretrizes para “estrangular” a comunidade bahá’í.
O memorando estabelece a exclusão educacional, proibição de empregos públicos e vigilância constante. Essas medidas criam um ambiente de asfixia social, intensificado contra as mulheres, guardiãs da cultura bahá’í.
Desde março de 2024, das 93 pessoas bahá’ís convocadas a tribunais ou prisões, 72 eram mulheres. Isso não é coincidência, mas resultado de uma estratégia que as vê como duplo alvo.
A perseguição é planejada, com sentenças desproporcionais e pretextos vagos, como “propaganda contra o Estado”. Tribunais usam essas acusações para justificar prisões e confiscos de bens.
A repressão vai além das prisões. A negação de o à educação superior impede jovens bahá’ís, especialmente mulheres, de ascenderem socialmente, limitando seu futuro.
Universidades públicas expulsaram milhares de estudantes bahá’ís desde 1979. Iniciativas comunitárias de ensino, como as de mulheres para crianças, são criminalizadas pelo regime.
A destruição de cemitérios bahá’ís, profanação de locais sagrados e bullying contra crianças nas escolas criam um ciclo de humilhação que atinge gerações inteiras.
Os casos documentados por 18 relatores da ONU em julho de 2024 não são apenas números. São histórias de mulheres cujas vidas foram fragmentadas pela intolerância institucionalizada.
Ms. Shabnam Tebyanian, mãe de duas crianças, foi condenada à prisão e a “sessões de terapia contra seitas”. Trata-se de uma lavagem cerebral disfarçada de tratamento médico.
Essas sessões buscam forçar a renúncia à fé bahá’í. A prática viola os princípios mais elementares da liberdade de crença, garantida por tratados internacionais.
Ms. Roya Sabet, residente dos Emirados Árabes Unidos, viajou ao Irã para cuidar de seus pais idosos. O gesto de amor filial virou um pesadelo de 100 dias de desaparecimento.
Quando sua família questionava as autoridades, ouvia apenas: “Ela não está cooperando”. A frase revela a lógica perversa de um sistema que criminaliza a identidade religiosa.
Em Isfahan, 15 mulheres foram convocadas aos tribunais por “propaganda contra a República Islâmica” e “ensino desviantes”. Seus nomes simbolizam uma comunidade sob cerco.
Ms. Mojgan Pourshafi, Ms. Nasrin Khademi e Ms. Azita Rezvanikhah são alvos por preservarem a identidade bahá’í. Muitas são mães e educadoras, essenciais à comunidade.
Ms. Sanaz Tafazzoli foi condenada a 10 anos e nove meses de prisão. Suas acusações incluem “possuir livros bahá’ís” e “formar um grupo educacional infantil”.
A criminalização da educação infantil revela o extremo a que o Irã chega para erradicar os bahá’ís. Atividades como ler e ensinar são tratadas como crimes hediondos.
A interseccionalidade da opressão
O conceito de perseguição interseccional, citado por Érica Kokay na Câmara dos Deputados, captura a natureza multifacetada dessa violência. As mulheres bahá’ís sofrem por sua fé e gênero.
Mães são separadas de filhos pequenos, jovens enfrentam confinamento solitário em interrogatórios. Atividades de cuidado, como educar crianças, são punidas com sentenças severas.
Ms. Anisa Fanaian, por exemplo, foi condenada a 16 anos por educar crianças carentes. Sua história ilustra como o regime transforma atos humanitários em crimes.
As mulheres bahá’ís são dois terços dos bahá’ís encarcerados no Irã. Muitas são mantidas sem devido processo legal, com paradeiro desconhecido, agravando o sofrimento familiar.
A perseguição visa quebrar a transmissão cultural e religiosa. As mulheres, coração pulsante das famílias bahá’ís, são alvos prioritários dessa estratégia de erradicação.
Ms. Setareh Taami e Ms. Sahar Mohebpour, em Fars, enfrentam monitoramento eletrônico. Seus movimentos são s a mil metros de suas casas, além de multas e proibições.
Essas medidas combinam vigilância tecnológica com isolamento social. Representam uma modernização da repressão, maximizando o sofrimento e dificultando a resistência.
Não quero deixar de jogar luz sobre o longo drama vivido por Mahvash Sabet, poetisa e educadora iraniana, que tornou-se símbolo universal da resistência pacífica. Presa duas vezes por sua fé bahá’í (2008-2017 e 2022-presente), transformou o cárcere em ato criativo.
Seus “Poemas da Prisão” revelam fortaleza: “Estes muros que me cingem / são feitos de vento e medo / - eu os atravesso / com as asas da palavra”.
Condenada a 20 anos sob falsas acusações, Sabet enfrentou tortura e isolamento. Em 2022, sofreu fraturas nos joelhos durante interrogatórios, mas segue resistindo.
Seus versos, como “Queimaram meus livros / apagaram meu nome / mas esqueceram / que eu mesma / era o verso que cantava”, ecoam resiliência.
Recentemente liberada para tratamento cardíaco, Sabet permanece sob ameaça de retorno à prisão de Evin. Seu caso mobiliza personalidades como Shirin Ebadi e Narges Mohammadi.
Mohammadi declarou: “Mahvash transformou nossa cela em universidade de poesia e resistência”. A PEN International a nomeou “Escritora da Coragem” em 2015.
O Parlamento Europeu aprovou resolução exigindo sua libertação em 2025. Seus poemas, escritos em papéis escondidos, documentam a repressão às minorias religiosas.
Sabet escreveu: “Minha cela é o Irã / e o Irã / é uma grande cela / onde até a luz / precisa de permissão / para entrar”.
A Comunidade Bahá’í Internacional e a Anistia Internacional mantêm campanhas por sua libertação, destacando a perseguição religiosa sistemática no Irã.
A violência estrutural
A perseguição vai além de prisões e tribunais. Confisco de propriedades, proibição de ensino superior e empregos públicos criam asfixia social para os bahá’ís.
As mulheres, responsáveis pela educação dos filhos, sofrem impacto desproporcional. A violência estrutural destrói os vínculos comunitários que sustentam a resistência bahá’í.
Ms. Shoghangiz Saadatmand, idosa de Hamadan, teve sua casa invadida e saqueada. A violação do lar, espaço sagrado, é uma profanação simbólica.
Invasões domiciliares seguem um padrão. Agentes do Ministério da Inteligência confiscam telefones, aportes e materiais religiosos, isolando as vítimas.
As buscas se estendem a casas de familiares sem autorização judicial. O objetivo é criar um clima de medo que permeie a vida cotidiana dos bahá’ís.
Érica Kokay promove audiência pública com base em relatório da ONU sobre bahá’ís, dia 12, na Câmara dos Deputados. Sua iniciativa reforça a diplomacia parlamentar.
A questão voltou à atenção do Senado e da Câmara do Brasil com audiências públicas. A próxima, em 12 de junho de 2025, às 14h, é iniciativa de Érica Kokay.
Desde 1979, o Irã oprime minorias religiosas, sendo os bahá’ís a maior delas. Discriminação, assédio, expulsão de estudantes e confisco de bens são práticas comuns.
Bullying contra crianças, profanação de cemitérios e proibição de comércios refletem fanatismo religioso. No entanto, o tema é secundário nos fóruns ocidentais.
O Irã é mais combatido por sua ambição nuclear e apoio ao terrorismo. Relatórios da ONU documentam essas ações com evidências e provas robustas.
Quando múltiplas frentes se abrem pela paz mundial, ONU, Anistia Internacional e outras organizações perdem foco na defesa de civis perseguidos por sua fé.
A falta de atenção global faz com que o sofrimento dos bahá’ís, especialmente das mulheres, permaneça à margem das prioridades internacionais.
A audiência pública proposta por Érica Kokay na Câmara é um exemplo de diplomacia parlamentar. Convidar o embaixador iraniano mostra coragem no confronto direto.
A audiência de 12 de junho de 2025 pode ser um marco. Reunirá vozes que pressionarão por mudanças concretas na situação dos bahá’ís.
O Brasil, com tradição de acolher a diversidade religiosa, tem responsabilidade moral de liderar denúncias contra essas violações em fóruns internacionais.
Especialistas como Nazila Ghanea, da ONU, e César Muñoz, da Human Rights Watch, elevarão o debate. A presença de ministérios e advogados reforça a abordagem multissetorial.
A urgência da ação internacional
Os 18 relatores da ONU de julho de 2024 são vozes de alarme. Suas recomendações incluem o a representação legal e investigação de desaparecimentos.
A exigência de resposta em 60 dias reconhece a urgência. Cada dia de silêncio iraniano significa mais mulheres presas e famílias destroçadas.
Os relatores questionam como o Irã define “ameaça à segurança” e “propaganda contra o Estado”. Essas vagas acusações criminalizam qualquer manifestação de fé.
Essa prática viola tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Irã, signatário, ignora suas obrigações internacionais.
A perseguição às mulheres bahá’ís revela a intolerância no século XXI. Não é apenas conflito religioso, mas violência estatal sistemática contra minorias.
Como sociedades são mobilizadas contra grupos minoritários? Como estruturas estatais servem à perseguição? Essas questões desafiam nações democráticas a agir.
O memorando de 1991 é um plano operacional ainda em execução. Sua modernização, com vigilância digital, mostra como regimes adaptam a repressão.
Apesar da brutalidade, as mulheres bahá’ís resistem pela sua existência. Cada mãe que mantém sua fé é uma resposta à tentativa de erradicação.
Jovens que recusam renegar crenças, mesmo na prisão, mostram resiliência. Idosas que preservam dignidade enfrentam a violência com força silenciosa.
Essa resistência é a prova de que a fé enraizada sobrevive às piores crueldades. As mulheres bahá’ís desafiam o regime com sua perseverança.
A história delas é um espelho para a comunidade internacional. O tempo de declarações acabou; é hora de pressão diplomática e solidariedade global.
Em um mundo fragmentado, a causa das mulheres bahá’ís une em torno de valores universais: dignidade, liberdade religiosa e igualdade de gênero.
Seu sofrimento nos interpela, sua resistência nos inspira. Sua esperança desafia a sermos melhores do que somos, exigindo ação imediata.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: